Li e não resisti a transcrever o postal do Leão de Plástico publicado na
Tasca do Cherba
Depois de quase sete dezenas de anos a viver Sporting, assino por baixo tudo o que é dito.
Parabéns ao Leão de Plástico
Caros árbitros, é com profundo respeito
pelo vosso papel no futebol que vos dirijo estas palavras. Sim, a vossa
contribuição é fundamental para que o jogo seja efetivamente um espetáculo e
algo verdadeiro. Mas, se existe da minha parte a maior das reverências pela
vossa função, o mesmo já não posso dizer pelo vosso desempenho. Desde que vejo
futebol, vejo árbitros que, se não foram corruptos ou sensíveis a “alinhamentos
de poder”, pareceram bastante. E parecer é quanto baste para que não respeite o
vosso passado, o vosso presente e temo que cada vez menos, o vosso futuro.
Um bom árbitro, meus caros, é aquele que
errando, erra equidistantemente, erra (lá esta) sem arbitrariedade. E isso,
desde o longínquo princípio dos anos 80, é coisa, que à maior parte de vós, não
reconheço.
Seja no primado do Porto, ou na mais
recente autoproclamada “hegemonia” do Benfica, a minha história de ver jogos de
futebol é um imenso e interminável exercício de desconfiança. Desconfio de
todos vocês, não havendo desde há quase quatro décadas, um só árbitro que ache
merecedor de me transmitir a confiança e o prazer de ver um jogo do Sporting
sabendo que, mesmo que existam erros, sê-lo-ão sem qualquer tipo de intenção
premeditada. Alguns de vocês poderão até ser também adeptos do Sporting, o que
vos facilitará sobejamente a leitura e compreensão desta minha relação com a
arbitragem portuguesa. Vi todos, todos, arbitrar mal e tendenciosamente o meu
clube. Rosa Santos, Garrido, Calheiros, Pratas, Paraty, Benquerença, Vitor
Pereira, Lucílio Batista, Pedro Henriques, Jorge Sousa, Paulo Costa, Cosme
Machado, Xistra, Pedro Proença, Artur Soares Dias, Duarte Gomes, a lista é
interminável, tal como será o calvário de erros que foram cometidos nos jogos
que vi, tantos e tantos erros, tantas e tantas obediências que foram mostradas,
por vocês, ao “sistema”.
Podem responder-me que muitos destes
também erraram, favorecendo o Sporting. É claro que sim, isso aconteceu várias
vezes. Mas no deve e no haver, ao longo dos anos foi-se instalando uma distância
enorme entre o “erro fortuito” e o “erro decisivo”, entre a “circunstância” e a
“tendência”. Caso nunca tenham pensado nisso, meus caros árbitros, hoje em dia
um adepto que goste muito de ver futebol consegue ver muitas centenas de jogos
por ano, dos mais variados campeonatos.
Ao longo dos anos vai começando a
entender cada vez melhor os ínfimos detalhes do jogo, inclusive a prestação do
árbitro. Obviamente que isso não torna ninguém num avaliador de árbitros,
porque carece dessa formação, mas torna-o claramente um julgador mais atento e
sagaz do que o homem do apito faz dentro de campo. E cada vez mais os adeptos
compreendem como conduzir um jogo de futebol “à la carte”. Faltas estratégicas
na saída de um contra-ataque (favorecendo o infrator), amarelos rápidos ou
lentos a sair do bolso, livres à entrada da área que passam impunes,
interrupções sucessivas que lesam a equipa que mais tempo e ligação de jogo
está a tentar construir, pactuação com o anti-jogo, enfim…há múltiplas formas
de “ajudar” ou “complicar” a vida a uma equipa.
No Sporting conhecêmo-las tão bem, que
nos habituamos a elas. Habituamo-nos à vossa antipatia e a verem-nos como o
“tal clube que não manda nada e fica bem prejudicar”. Isto não é fantasia, isto
tem quase 40 anos de realidade factual. favores ou não, quando sente que o jogo
não foi arbitrado com a total lisura que merecia? Muitos de vocês têm e tiveram
carreiras de mérito, recheadas de boas exibições, alguns até grandes exibições
em jogos de enorme grau de dificuldade. Mas escutem-me e reflictam no que vos
vou escrever agora: para mim, foram e são todos uma enorme merda.
Surpreendidos? E se eu vos disser que a maioria dos adeptos do Sporting pensa
exactamente como eu? Mais surpreendidos? Menos? Dá-vos igual? Pois. Esse é
mesmo o problema. É vos igual ao litro que grande parte dos adeptos de futebol
achem que vocês são todos ou corruptos ou manobráveis ou apenas uma valente
merda. E aqui eu distingo “merda” em dois níveis: a merda melhor e a pior. A
merda melhor é serem árbitros de fraco talento, que não seriam capazes de
arbitrar bem nem que o quisessem. Há uns quantos na vossa primeira categoria.
Depois há a pior merda, a “valente” merda, a pior merda de todas, ou seja, os
juízes que tendo jeitinho para a coisa, cedem em favor da vantagem de terceiros
para que exista uma sua, na complexa e podre teia que se chama observação e
classificação de árbitros.
Não consigo portanto entender a vossa
indignação. Não vos reconheço direito a ela. Não têm direito a qualquer tipo de
comiseração. Da minha parte só vos vi, ao longo de quase 40 anos, preocupações
egoístas. “Quanto vou ganhar”, “quanto tempo tenho para treinar”, “tenho
polícia para me proteger”, “tenho as pessoas certas na minha Associação para me
defender”, “tenho a simpatia da UEFA”, “tenho bons cursos de atualização para
frequentar”. Podia estar nisto mais um ou dois parágrafos. Pergunto-vos se
algum de vocês, no decorrer das vossas carreiras, alguma vez se preocupou com
aquilo que devia ser mais importante na vossa missão, algo do género: “Será que
sou isento?”, “os adeptos respeitam-me?”, “reconhecem-me como honesto?”, “errei
propositadamente contra algum clube?”, “faço parte de algum tipo de manobra
para favorecer um clube?”. Mas não, nenhum de vocês, sozinho ou em grupo,
alguma vez teve este tipo de preocupação. Esse é o maior problema da nossa
arbitragem. Os árbitros não têm, há muitos anos, uma boa imagem…deles próprios.
Souberam e sabem de colegas que são corruptos, souberam e sabem de colegas que
têm uma “agenda” clubística, souberam e sabem de muitos colegas que subiram na
carreira à sombra de muitos favores. Nunca mexeram uma palha. Bem pelo
contrário. Baixaram e baixam a cabeça e seguem em frente, com a coluna
vertebral cada vez mais torta, cada vez mais rastejante, cada vez mais incapaz
de separar o mau do bom.
Este último pré-anúncio de “greve”,
pedido de dispensa “geral”, o que lhe queiram chamar…é para mim uma tremenda
ofensa aos adeptos. Não bastou terem sido dos maiores culpados pelo estado a
que chegaram, terem feito a merda de arbitragens que fizeram, terem favorecido
os clubes do poder que favoreceram e ainda têm a suprema cobardia de se
afirmarem “indignados”? Como ?! Indignados com o quê?! Agora?! As últimas
décadas não se “indignaram” com o servilismo que mostraram, não se “indignaram”
por serem empurrados da Liga para a FPF como um saco de batatas, não se
“indignaram” com os Apitos Dourados, não se “indignaram” com os Vouchers, não
se “indignaram” com os E-mails…e agora indignam-se com o “estado do futebol
português”? Eu sei bem o que vos indigna. É não saberem quem é o “dono” a quem
obedecer. Isso é para vocês árbitros uma novidade e uma fonte de insegurança.
Não saberem quem é que “manda” é um problema, pois vos coloca um singular e
inusitado dilema: “e agora, devo errar para que lado?”. O esterco a que
chegámos na Liga, FPF, IPDJ, Associações, APAF ou CA não vos causa particular
preocupação, mas a batalha entre Porto e Benfica pela supremacia sobre o vosso
trabalho, essa sim, provoca-vos embaraço e principalmente por não saberem quem
está por cima. Essa é a verdadeira causa da vossa indignação.
Termino, sublinhando algo que está
patente em todo este texto e que já devem ter entendido – não tenho qualquer
tipo de esperança em vocês árbitros. Não confio em vocês nem para apitar
iniciados. Não acredito na vossa redenção, nem acho que tenham vontade ou
capacidade para alterar a vossa condição. Nunca serão independentes, confiáveis
nem completamente honestos ou isentos. Vocês são parte imensa do problema e
muitos gostam de o ser. Não vos seduz a participação omnipresente no jogo, a
sua beleza, o equilíbrio ou a verdade. Seduz, à maior parte dos árbitros, o
poder, a capacidade de decidir uma partida, a arbitrariedade de mandar no jogo
e interpretar as leis, a supremacia sobre os jogadores, a tensão com os
treinadores. Podem desmentir o que quiserem, mas a grande maioria de vocês
entrou e está na arbitragem pelas razões erradas. Atletas frustrados, egos
deslumbrados, vaidades, vontades equívocas de participar no jogo de futebol não
pelo que é o jogo, mas pela importância social que representa. Concordo que é
preciso ter coragem para decidir ser um árbitro, mas isso não vos serve de
desculpa, isso é o mais grave que terão de assumir como vossa culpa. Vocês,
árbitros de primeira categoria, não souberam e não quiseram criar condições
para as futuras gerações. Não defenderam os vossos direitos, não defenderam a
vossa independência, não lutaram pela vossa isenção.
O que achariam que ia acontecer?
Indignem-se então. E aos que se acham justos e independentes e fora deste
quadro, deixo-vos uma palavra: a cumplicidade também é crime.